Wednesday, June 27, 2012

O Silêncio - divagações sobre o estigma



Algo que me tem dado que pensar nos últimos dias relaciona-se com o estigma existente à volta do HIV. Eu já o sabia antes, mas agora sinto-o ainda mais: detesto estigmas sociais. Sinal de burrice, de ignorância, de medos infundados.

Uma das grandes ironias relacionadas com o meu diagnóstico tem a ver com a fase em que estava nessa altura. Sentia-me finalmente livre do peso de um segredo: eu durmo com homens *inserir txaram aqui* .

Não posso dizer que fui das pessoas que viveu mais atormentada com esse peso, até porque a definição da minha sexualidade foi algo que veio gradualmente e numa idade em que conseguia fazer uma análise mais madura da questão. No entanto, não posso dizer que foi fácil. Nos últimos meses, vinha finalmente a sentir que esse peso era cada vez menor. Sentia-me bem comigo mesmo e estava a atingir uma fase de paz interior no que a isso diz respeito. Literalmente dias depois de concretizar este raciocínio, sou diagnosticado com HIV. Quando percebi a ironia de ter ganho um peso, um segredo, logo depois de me ter livrado de outro, comecei a rir. Porque a vida é de facto irónica!

E começo a estabelecer paralelos entre as duas situações. A minha atitude ao contar às pessoas mais próximas sobre o diagnóstico era pedir-lhes segredo e discrição, sublinhando a importância e seriedade desse compromisso. Ao fazer isto, estou obviamente a proteger-me (na verdade, não só a mim mas também a outras pessoas, a "protegê-las da verdade"...). Mas estou também a contribuir para o silêncio. Este silêncio que envolve a seropositividade. Não digo que comece a usar uma bandeira, mas se fosse uma outra doença teria menos problemas em divulgá-la. Quando se tem um cancro, recolhem-se reacções de pena e solidariedade. Quando se tem HIV, passa-se por promíscuo e/ou contagioso? Talvez, para algumas pessoas. Mas é por isso mesmo que quem é positivo não deveria escondê-lo. Já li várias vezes sobre pessoas que tinham vidas totalmente convencionais e foram infectadas. Depois do diagnóstico, continuam a levar vidas normais e convencionais. Se as pessoas percebessem que não há nada de errado em ser positivo, seria muito mais fácil. Afinal, se hoje é possível viver com isto de forma perfeitamente normal, se hoje já não é um bicho de sete cabeças, porque é que ainda se age como se fosse?

A verdade é que de certeza que todos nós conhecemos uma ou mais pessoas que são seropositivas. Porque não é uma doença que se veja e porque quem a tem não o divulga. Mas se alguém perguntar a determinadas pessoas que eu conheço se conhecem alguém seropositivo, elas diriam que não e isso não é verdade! Assim, o mais provável é que eu e todos nós já conheçamos alguém nestas circunstâncias e não fazemos ideia.

Tal como com a homossexualidade, se as pessoas assumissem a sua "condição", muitas barreiras seriam derrubadas mais rapidamente. É claro que não sou ingénuo ao pensar que isto é assim tão fácil e simples. Mas, neste momento, estou revoltado com isto de ter de guardar segredos. Guardam-se segredos sobre coisas que não têm de ser escondidas!

E, no entanto, eu falo e falo e estou neste momento a contribuir activamente para isso. Talvez um dia tenha força para dar o exemplo...

1 comment:

  1. Um dia babe, um dia tudo vai ser melhor e a palavra preconceito será abolida do nosso vocabulário.

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