Sunday, June 15, 2014

A gota de água


Durante algum tempo, após o meu diagnóstico, senti que "enlouqueci" um pouco. Parecia estar num estado diferente do normal, mais ansioso, mais propenso a atitudes drásticas ou emocionais. Sentia-me frequentemente à beira de algo e esse algo não era bom... Este estado acabou por se estender no tempo, não de forma constante, mas sim esporádica. Sentia que tinha havido uma montanha russa de sentimentos tão intensa dentro de mim, que ia demorar até conseguir estabilizar. Por vezes, justificava determinados comportamentos com tudo o que me tinha acontecido: estados mais nervosos, mais apáticos, reacções mais extremas, etc. E, de facto, era verdade. Mas estes momentos começaram a ser cada vez menos frequentes até, eventualmente, ter chegado à conclusão que já não podia usar a "desculpa" do hiv para justificar os meus comportamentos menos correctos ou "normais". Comecei a sentir-me eu próprio, finalmente. Mas entretanto, havia um padrão criado que tinha de ser corrigido: a atribuição de estados de espírito ou atitudes ao facto de ter hiv e de ainda estar a adaptar-me a toda a situação. Percebi que já estava adaptado e não podia esconder-me atrás do hiv e daquilo que tinha sofrido. "Agora já não tens desculpa."

No entanto, há uma sensação que continua a existir e que talvez necessite de um maior controlo da minha parte. Quando tudo corre mal, quando me sinto frustrado com o meu trabalho, quando tenho pouco dinheiro, quando me sinto negligenciado pelos amigos, quando me sinto só e desapaixonado, o hiv é a gota de água que facilmente me envia numa espiral de depressão. "E para além disto tudo, ainda tenho hiv...". Racionalmente, esta é uma táctica de self-pity que me irrita imenso e com a qual não quero ser conotado. Há poucas coisas tão unsexy como pessoas que sentem pena delas próprias. Mas admito, infelizmente, que por vezes caio nisso. E é errado. Principalmente, quando conseguimos perceber, através do véu dessa mini depressão, que nos estamos a aproveitar de uma situação cada vez melhor resolvida na nossa cabeça para adicionar um pouco de drama. E quando nos apanhamos a usar essas tácticas, não há como nos escondermos de nós próprios. Conseguimos sempre perceber que estamos a fazer batota.

Penso que faz parte da "recuperação" do hiv, aprender a não usá-lo como desculpa. Se de facto me sinto melhor, mais no controlo de mim próprio e da minha vida, se sinto que o hiv já não é assim tão complicado, porque é que vou usá-lo para demonstrar/ enfatizar a mim próprio como a minha vida é difícil em alguns momentos? Essa gota de água tem de deixar de existir, simplesmente. E sinto que tenho de me policiar mais nesse sentido. Às vezes, pergunto-me qual é exactamente o meu problema. Se não tivesse hiv e tudo o resto fosse igual, sentir-me-ia na mesma? Ou o hiv agrava? Se não tivesse hiv, seria mais feliz no trabalho? Teria mais dinheiro? Teria um namorado? Não, tenho de ser honesto e dizer que o hiv agrava muito pouco nesta fase. E, por isso, tenho de deixar de ceder à tentação de desculpar ou justificar o menos bom na minha vida com este vírus. Trata-se de ser honesto e é mais uma parte de todo o propósito de retomar as rédeas da nossa vida. E, tal como muitas outras coisas, esta mudança exige esforço, exige de mim. Mas é mais um passo rumo à libertação total. E eu não quero falhar nem um.


Friday, April 18, 2014

Uma pequena nota...


Esta semana houve alguém que me deixou um comentário num post. Essa pessoa foi diagnosticada no dia em que colocou o comentário, começou a fazer uma pesquisa desenfreada na internet acerca do assunto (como me lembro desse momento...) e deu com este blog. Receber este tipo de comentários é muito gratificante. Ao mesmo tempo, dói-me imaginar a confusão e revolução que está naquela cabeça neste momento...

A verdade é que o tempo cura muita coisa e nenhum de nós está sozinho. O meu email (serounaoserpositivo@gmail.com) está disponível para quem quiser "falar". Força!

Edge


Já há muito tempo que não escrevia aqui. Desde a última vez, muito aconteceu e muito começou a mudar. Felizmente, o tal cansaço de que falava no último post começou a desaparecer há algum tempo atrás. Há uma aceitação diferente de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos. Há pazes a serem feitas.

Houve vários factores que contribuíram para este processo, para este caminho. Comecei a sentir a necessidade, bem como a possibilidade, de mudança em mim. Precisava de dar mais passos em direcção à pessoa que sempre ambicionei ser, à vida que sempre imaginei que teria. Com o tempo, apercebemo-nos que aqueles sonhos de adolescência, os ideais, as expectativas, não acontecem por si só. A tal ideia de "the universe works with us, not for us". E, a certa altura, percebi que não só precisava de me aproximar desse ideal, de fazer um esforço para que isso acontecesse, como me sentia preparado para começar a trabalhar essas mudanças. E é nesse processo que entrei há uns meses atrás e que está a ser cumprido gradualmente.

Parte importante deste processo era libertar-me de "pesos", deixar segredos para trás, porque na verdade já não era importante mantê-los. E, por isso, decidi contar aos meus pais acerca do hiv. E foi uma sensação tão boa ou melhor do que eu antecipava. Claro que há as reacções de tristeza e de choque, são naturais. Mas há também a aceitação, a partilha. E nesta fase, sinto-me bem o suficiente para poder contar-lhes e depois tranquilizá-los de que realmente estou bem.

Os médicos e terapeutas apontam sempre para um período de luto de 12 meses, após um diagnóstico de hiv. Eu tentei cumprir esse prazo mas não consegui. Um ano não chegou para digerir tudo o que tinha acontecido. Houve uma altura em que não sabia como iria deixar esse luto para trás, como aceitar. Mas com o tempo comecei naturalmente a concentrar-me noutras áreas da minha vida e o hiv passou a ocupar uma gaveta cada vez mais pequena... Houve momentos em que pensei que nunca iria sentir isto...

Esta é uma fase auspiciosa. Estou quase a "celebrar" dois anos de diagnóstico e sinto pela primeira vez que posso e preciso realmente de celebrar. Estar grato por estar aqui, por ter passado o que passei e por ter conseguido chegar "ao outro lado", melhor, mais crescido, mais confiante e na fronteira da felicidade.