Sunday, December 1, 2013

A verdade está sozinha

Este post é um desabafo.

Sinto-me cansado. Sinto-me mesmo cansado. Esta sensação tem vindo a espreitar há algum tempo já. Tenho ignorado, tentado fazer com que desapareça mas ela volta. O cansaço que advém das emoções, dos sentimentos que batalham aqui dentro. E não dá mais para ignorar, não dá mais para varrer para debaixo do tapete, não dá mais para fingir que não existe.

Isto de tentar conviver pacificamente com uma doença tem muito que se lhe diga. Eu não estou doente, não me sinto doente. Parece-me cada vez mais que o hiv é uma doença mental do que qualquer outra coisa. Tento habituar-me, tento viver bem com isto mas não é fácil e pergunto-me se alguma vez será um problema inexistente. Tento novas abordagens: tento o confronto, tento a exposição, tento a falta de receio, de vergonha. Mas, de alguma forma, tenho vindo parar sempre a esta solidão em que me encontro. E essa é a derradeira conclusão: sinto-me só. O que, na verdade, não faz grande sentido. Tenho a certeza que há pessoas com hiv e que se encontram em situações tão piores. Situações de desespero, de verdadeira solidão, de isolamento. E quando penso nisto sinto-me um puto mimado. Mas, como diz a sabedoria popular, "com o mal dos outros podemos nós". Verdade.

Tenho tentado novas abordagens, como disse. Tudo isto passa por arriscar em situações que são novas desde o diagnóstico, como por exemplo, conhecer alguém, interessar-me por alguém. Tenho tentado ser corajoso e assumir-me como sou, desde o início. Para quê? Para evitar perdas de tempo. Não me apetece andar a iludir alguém (incluindo a mim próprio) e atrasar uma revelação que pode ou não condicionar o resto. Assim, falo, assumo, revelo. Ao mesmo tempo, para tentar pautar a minha atitude perante a vida e este vírus com honestidade, abertura, coragem. E a dificuldade não reside aí. O problema está em algo muito maior do que dizer a alguém "tenho hiv". O problema é lidar com situações que acontecem a toda a gente, mas à luz desta nova condição. O problema é lidar com a rejeição. O problema é pensar no futuro.

Antes do hiv, achava que encontrar alguém com quem partilhar uma vida não era tarefa fácil. Pior ainda se se fosse homossexual. Pior ainda quando se é homossexual com hiv. E, por muito que possam existir pessoas em situações piores, por muito que a rejeição aconteça a tantos, por muito que estes sentimentos sejam comuns, tenho de, muito simplesmente, perder o pudor e deixar-me de merdas e dizê-lo. Sinto-me só.

A solidão é estranha. Quando se instala, é quase imperceptível. É necessário haver um vislumbre de algo muito melhor para de repente percebermos a diferença. E é nesse ponto que me encontro. Conheci alguém, após muito tempo sozinho. Dei-me a conhecer, por inteiro. E a sensação de ter alguém a segurar-me a mão, a agarrar-me o corpo, foi tão boa. Tão, tão boa. E, de repente, acabou. Fui rejeitado. E não vale a pena dramatizar (ainda mais...), isto acontece a toda a gente. O problema aqui é que, pelo contraste com os últimos (largos) tempos, isto veio demonstrar o quanto eu sentia falta disto. A dor aqui não é o ter sido rejeitado, eventualmente isso há-de passar. A grande questão foi a revelação dura, simples, fria, de que, na verdade, sinto-me sozinho. E perceber isso em mim deixa-me triste. Sinto-me triste ao perceber que foi aqui que a vida veio dar, mesmo que apenas por enquanto. Olho à minha volta e vejo motivos de orgulho, de satisfação. Mas porque é que é tão difícil adequar as proporções de todas as partes da nossa vida? Porque é que as vitórias parecem tão menores quando comparadas com o que nos falta, o que nos dói? Apetece abanar-me a mim mesmo e dizer, alto e bom som, com alguma agressividade, "Deixa de ser parvo, deixa de sentir pena de ti próprio, deixa de dramatizar." Mas... isso é o que tenho andado a dizer a mim mesmo nos últimos meses...! Hoje não me apetece mais fazer isso. Hoje apetece-me olhar no espelho e dizer a verdade, assumir aquilo que sinto, em vez de usar argumentos para tentar fazer-me sentir melhor. Talvez, às vezes, necessitemos disso, de simplesmente assumir o que sentimos, mesmo que seja para ficarmos tristes durante um pouco. Talvez se me permitir ficar triste um pouco, amanhã acorde melhor. 

Hoje, não tenho hipótese. Esta constatação tem vindo a aproximar-se do meu consciente, cada vez mais, cada vez mais perto. E agora, aqui está. E aqui estou eu. Mais uma vez, ponho a minha atitude defensiva, combativa. Nada me manda abaixo, nada. E isto não vai ser nada, não há-de ser nada... no futuro. Hoje, presente, ainda é qualquer coisa.



Como disse no início deste post, isto foi um desabafo. Ao reler o que escrevi, não consigo sequer ter a certeza que irá fazer algum sentido se alguém o ler. Mas mantendo a filosofia do desabafo, vou deixar assim, em discurso livre, em torrente de pensamentos.

E com a proporção adequada: é só um desabafo.