Friday, November 8, 2013

Revelação, Tempo , Caminho


Hoje, faz um ano e meio desde o meu diagnóstico.

Tudo tem sido mais fácil, ultimamente. A medicação tornou-se um hábito, regular e consolidado. As idas ao hospital para análises, vacinas, consultas, comprimidos, também... é chato, mas faz-se. Nada na minha vida de todos os dias mudou.

Há coisas, no entanto, que continuam a assombrar-me. Nestes últimos dias, tive um grande confronto com várias dessas situações. O estigma, a discriminação, a revelação do status.

Sem ter dado muito por tudo isto a acontecer, de repente tive de lidar com uma possível situação de discriminação no trabalho. Nunca tinha imaginado como é que algo assim poderia ser. A possibilidade de me ser negada uma oportunidade, unicamente por ser seropositivo. Decidi enfrentar tudo e todos, ser claro, honesto, frontal. Revelei a minha "condição": "Temos aqui uma situação... sou seropositivo." Silêncio.

Por razões que não estão relacionadas com este assunto, este novo trabalho acabou por não acontecer. Mas a dúvida ficou: será que o hiv ia ser um obstáculo ou não? Sei que eventualmente terei de lidar com esta realidade. Mas este pequeno preview foi suficiente para me assustar. Nunca me tinha sentido assim. Algo inerente a mim, imutável, poderia impedir-me de obter um trabalho para o qual tinha sido especificamente seleccionado. Sei que muitos já passaram por isto e dói-me pensar que muitos ainda passarão. Não é justo, não é justo, não é justo. E o medo de as pessoas saberem do hiv tornou-se muito menor perante o medo de realmente ser rejeitado por isto. É óbvio que comecei a imaginar o que fazer nesse caso, até mesmo em termos legais, pois embora não esteja totalmente esclarecido em relação a estas situações, penso que seja ilegal discriminar alguém numa situação de trabalho devido ao seu estado serológico. No entanto, se chegasse a essas instâncias, o mal maior estaria feito: o ter sido, de facto, discriminado. E esse é o grande problema. É o que isto faz à cabeça de alguém, à confiança, à auto-estima. Como se não fosse suficiente o facto de ter de "carregar" isto para o resto da minha vida, o mal ainda tem de se espalhar pelas outras áreas da minha vida. Sempre me disseram que "isto" não ia alterar em nada a minha vida. Mas somos feitos de carne, ossos e sangue. E hiv, também. Por isso, a lenga lenga de "nada tem de mudar" só é verdade até certo ponto. E essa lenga lenga é necessária, porque reconfortante, mas só até determinada altura. É falsa, ou pelo menos, apenas parcialmente verdadeira.

Ao mesmo tempo, aliás, tudo isto no mesmo dia, avizinhava-se mais um momento de revelação. Estava envolvido com alguém há pouco tempo e tinha chegado o momento de falar sobre o hiv. Ponderei muito sobre se havia de o fazer ou não, se o devia fazer neste momento ou não. Penso que seja uma decisão muito pessoal. A minha terapeuta diz: "desde que tomes todas as precauções, desde que sejas responsável e não comprometas a outra pessoa, a revelação deste assunto é pessoal, a escolha é só tua". Confesso que, ao ouvir isto, houve alguma pressão que desapareceu. Mas, ao mesmo tempo, não consigo não ser honesto. A vontade de querer ser verdadeiro é maior que o medo de contar. Aliás, o medo nem é de contar, é do que vem depois. Porque ao contarmos a alguém, seja no contexto profissional ou de uma relação, há que estar preparado para lidar com as consequências: o choque, a negação, a raiva, o medo... Podem existir tantas reacções diferentes... Mas é necessário tentar construir algum tipo de preparação para o que vem a seguir. Neste caso, houve algum choque mas houve uma boa aceitação das notícias. Não houve pânico nem nada parecido. Também não vai haver relação, mas não me parece que tenha necessariamente a ver com o hiv. Seja como for, foi intenso, foram dias intensos. E que fizeram com que, mais uma vez, o fantasminha do hiv estivesse presente em cada hora de cada dia. Não foi fácil.

Luto todos os dias contra a amargura. Não quero ficar amargo, não quero criar ressentimentos em relação à vida. E esta é uma grande tarefa. Continuo a acreditar que vêm aí coisas que farão tudo valer a pena. E, lá está, como digo muitas vezes, esta é a minha cruz mas toda a gente tem a sua.  Todos temos problemas diferentes e que nos afectam de formas variadas. Isto foi o que me calhou a mim. Para quem estiver a ler isto e achar que tudo acontece por acaso, tentem não revirar os olhos... Mas eu acredito realmente que há coisas que nos são destinadas, para podermos aprender e crescer com elas. É isto que faz algum sentido para mim. E o tempo passa e eu vou aprendendo devagar a lidar com o que tenho. 

E quando penso em alguém que acabou de ser diagnosticado e lê este blog à procura de algum conforto, fico triste, porque não quero assustar ninguém. E penso no longo caminho que essa pessoa tem (temos...) pela frente. E torna-se de facto mais fácil com o tempo! Mas ainda não é simples, ainda não se tornou irrelevante. Ainda estou a trabalhar nisso.

Um dia de cada vez...