Friday, June 28, 2013

Meds


Parece que são só aniversários, ultimamente. Há um mês e meio atrás, fez um ano desde o meu diagnóstico. Hoje, faz um ano desde que iniciei a terapia ARV.

Consigo lembrar-me daquela primeira noite como se fosse hoje. Não fazia ideia do que iria sentir depois de tomar aqueles dois comprimidos. Estive uns vinte minutos a olhar para eles e para o copo de água, em semi-pânico.

Hoje, posso dizer que tenho muita sorte. Sofri muito pouco com efeitos secundários e reagi muito bem: menos de um ano depois de começar a tomar os ARV's, a minha carga viral estava indetectável e os CD4 tinham subido quase 200 unidades.

Hoje, tomo Atripla, um comprimido apenas por dia. Parece simples, mas o verdadeiro sentimento de pânico de cada vez que acordo de manhã e me apercebo que me esqueci de tomar o comprimido na noite anterior é real e faz com que tudo seja mais complexo. Este comprimido permite-me tudo e essa é uma sensação estranha.

Há umas semanas, estava a ver um filme sobre uma catástrofe natural apocalíptica, género do qual sempre gostei. Mas desta vez foi diferente. A única coisa que conseguia pensar era "Se isto acontecesse, onde é que eu ia buscar comprimidos??" E, por ridículo que possa parecer, este medo é real. É horrível ter esta sensação que somos governados por uma droga, um pequeno comprimido por dia. Mas esta é uma nova realidade, é uma nova vida.

E podia ser pior.

Thursday, June 20, 2013

Parabéns atrasados


Tal como iniciei este blog um mês depois de ter sido diagnosticado, queria ter assinalado duas datas: quando fez um ano depois do diagnóstico e quando este blog completou o seu primeiro aniversário. Falhei as duas datas e isso parece-me elucidativo sobre muito do que se passou...

Realmente, já fez um ano desde o meu diagnóstico. É incrível como o tempo passa mas isso diz-se acerca de quase tudo na vida. Estava muito ansioso com este primeiro aniversário: todos os médicos me disseram que os primeiros 12 meses após um diagnóstico deste calibre eram importantíssimos, vitais; que era nesse período que nos resolvíamos e aceitávamos a situação. E eu foquei-me nisso. E penso que, ingenuamente, esperava que, de forma mágica, algo fosse sarado quando esses 12 meses terminassem. Fiz toda a força para fazer o meu luto dentro desse período e queria virar a página assim que essa data chegasse. Pensei que tinha dado a mim mesmo um ano inteiro para me habituar a uma nova realidade, para ficar triste, para ficar revoltado, para ficar deprimido. E assim que esse período terminasse, não iria permitir-me mais tempo para me sentir dessa maneira.

Infelizmente, e por muito cliché que isto possa soar, a vida realmente nem sempre é como nós a queremos. E o processo de luto é algo pessoal e que irá durar quanto tempo quiser. Podemos, obviamente, tentar fazer algo para nos ajudar a lidar com uma situação mais triste ou trágica, mas a verdade é que só avançamos quando estamos prontos para avançar.

E eu, completamente iludido com essa noção de controlo sobre os meus próprios sentimentos, avancei para o 1º aniversário com total confiança. Iria começar uma nova fase, logo a seguir: cheia de promessas, de novos horizontes, de novas formas de estar. 

...

Não. Não foi nada disso que aconteceu. Na verdade, foi o inverso. Logo a seguir a esse aniversário, comecei a ficar introspectivo. Senti-me um pouco a afundar na realização crua que, de facto, esta é a minha vida agora. E não pretendo ser dramático. Mas não é fácil conseguir compreender/ aceitar a permanência das coisas, a imutabilidade de certos factos. E afundei, afundei, afundei...

É verdade que é possível olhar para uma situação de várias maneiras possíveis: copo meio cheio, copo meio vazio... Mas, nas semanas a seguir à tal data tão importante, só conseguia ver, com um olhar assustadoramente lúcido e triste, que eu não ia ver-me livre disto nunca. E quando digo isto, falo do vírus, não deste estado emocional. Passei noites deitado no sofá a pensar em tudo aquilo que tinha mudado, em todos os medos, todas as dificuldades do caminho. E, digo-o sem pudor, senti-me a ficar um pouco louco outra vez. Senti-me como naquelas primeiras semanas após o diagnóstico, em que a cada vinte minutos sentia o choque da notícia, over and over and over again...

E por tudo isto se explica a minha ausência. Penso que o entorpecimento era tão grande que tinha coisas para dizer e para partilhar mas não conseguia identificá-las, não conseguia sequer reunir a energia para tentar.

Agora, sinto-me melhor. Decidi que parte da saída do luto era a recuperação do controlo. Porque parece que alguém nos tira esse poder sobre nós próprios, sobre a nossa vida. E decidi que tinha de assumir essa perda e lutar para conquistar essa sensação, essa realidade. E agora estou nesse caminho. E hei-de estar... Porque isto ainda vai durar mais um pouco.

É engraçado o quanto se aprende na face da adversidade. O luto não é nosso, não nos pertence, não o dominamos. O luto dura o tempo que quiser, o tempo que precisar. E nós temos de fazer o melhor desse período, certificarmo-nos que vivemos bem, que sentimos bem essa fase, para que mais tarde não voltemos lá para continuar a penar por algo que não ficou resolvido. E, no final do dia, só podemos fazer o nosso melhor. A mais do que isso, ninguém é obrigado.