Saturday, June 30, 2012

Valores I

Resultados de Maio de 2012

CV: 739473 cópias / ml
CD4: 231

Medicação iniciada a 28 de Junho: Truvada e Stocrin.

2º dia após início de medicação: ainda sem efeitos secundários.

Wednesday, June 27, 2012

O Silêncio - divagações sobre o estigma



Algo que me tem dado que pensar nos últimos dias relaciona-se com o estigma existente à volta do HIV. Eu já o sabia antes, mas agora sinto-o ainda mais: detesto estigmas sociais. Sinal de burrice, de ignorância, de medos infundados.

Uma das grandes ironias relacionadas com o meu diagnóstico tem a ver com a fase em que estava nessa altura. Sentia-me finalmente livre do peso de um segredo: eu durmo com homens *inserir txaram aqui* .

Não posso dizer que fui das pessoas que viveu mais atormentada com esse peso, até porque a definição da minha sexualidade foi algo que veio gradualmente e numa idade em que conseguia fazer uma análise mais madura da questão. No entanto, não posso dizer que foi fácil. Nos últimos meses, vinha finalmente a sentir que esse peso era cada vez menor. Sentia-me bem comigo mesmo e estava a atingir uma fase de paz interior no que a isso diz respeito. Literalmente dias depois de concretizar este raciocínio, sou diagnosticado com HIV. Quando percebi a ironia de ter ganho um peso, um segredo, logo depois de me ter livrado de outro, comecei a rir. Porque a vida é de facto irónica!

E começo a estabelecer paralelos entre as duas situações. A minha atitude ao contar às pessoas mais próximas sobre o diagnóstico era pedir-lhes segredo e discrição, sublinhando a importância e seriedade desse compromisso. Ao fazer isto, estou obviamente a proteger-me (na verdade, não só a mim mas também a outras pessoas, a "protegê-las da verdade"...). Mas estou também a contribuir para o silêncio. Este silêncio que envolve a seropositividade. Não digo que comece a usar uma bandeira, mas se fosse uma outra doença teria menos problemas em divulgá-la. Quando se tem um cancro, recolhem-se reacções de pena e solidariedade. Quando se tem HIV, passa-se por promíscuo e/ou contagioso? Talvez, para algumas pessoas. Mas é por isso mesmo que quem é positivo não deveria escondê-lo. Já li várias vezes sobre pessoas que tinham vidas totalmente convencionais e foram infectadas. Depois do diagnóstico, continuam a levar vidas normais e convencionais. Se as pessoas percebessem que não há nada de errado em ser positivo, seria muito mais fácil. Afinal, se hoje é possível viver com isto de forma perfeitamente normal, se hoje já não é um bicho de sete cabeças, porque é que ainda se age como se fosse?

A verdade é que de certeza que todos nós conhecemos uma ou mais pessoas que são seropositivas. Porque não é uma doença que se veja e porque quem a tem não o divulga. Mas se alguém perguntar a determinadas pessoas que eu conheço se conhecem alguém seropositivo, elas diriam que não e isso não é verdade! Assim, o mais provável é que eu e todos nós já conheçamos alguém nestas circunstâncias e não fazemos ideia.

Tal como com a homossexualidade, se as pessoas assumissem a sua "condição", muitas barreiras seriam derrubadas mais rapidamente. É claro que não sou ingénuo ao pensar que isto é assim tão fácil e simples. Mas, neste momento, estou revoltado com isto de ter de guardar segredos. Guardam-se segredos sobre coisas que não têm de ser escondidas!

E, no entanto, eu falo e falo e estou neste momento a contribuir activamente para isso. Talvez um dia tenha força para dar o exemplo...

Wednesday, June 20, 2012

Sexo... com ou sem culpa


Como já disse, uma das grandes mudanças a nível de estilo de vida, depois de um diagnóstico de HIV, dá-se a nível sexual. O HIV é um vírus sexualmente transmissível. Sempre soube disto e, no entanto, só quando se passa pela experiência é que nos apercebemos da revolução que se dá.


Depois do diagnóstico, tive uma quebra drástica e absoluta do interesse sexual. Não queria sequer pensar em sexo, em pulsões, em desejo. Eventualmente, começam a sentir-se formigueiros outra vez... Mas já não é da mesma forma. Por várias razões. Porque foi através do sexo que fui infectado. Foi daí que veio tudo isto. Depois, quando se começa a praticar sexo (e agora com todas as precauções possíveis), olhamos para cada momento de forma diferente. Não sei sequer se já sou capaz de verbalizar o que me passa pela cabeça nessas ocasiões (não que tenham sido muitas...). A noção do nosso corpo muda. Às vezes, olho-me ao espelho e pareço que vejo o vírus a circular debaixo da minha pele, na minha cara, nos meus braços, nas minhas pernas. Logo, durante o sexo, essa consciência agudiza-se. Esperma já não é "só" esperma. Agora, parece ser uma arma. Uma arma com a qual posso fazer mal a alguém. É uma noção horrível que talvez desapareça com o tempo, não sei. Mas é das coisas que mais mexe comigo.


Depois, as pulsões... Também elas são abordadas de forma diferente. Se vejo alguém atraente na rua, posso pensar (como pensaria antes) que essa pessoa é interessante, sexualmente estimulante e que gostava de me envolver com ela. Mas agora, logo a seguir a esse fluxo de ideias vem logo a pergunta "Mas será que essa pessoa iria envolver-se comigo se soubesse? Provavelmente não..." É mais que óbvio que todos estes pensamentos são uma enorme perda de tempo e de espaço mental, mas não consigo ainda defender-me deles.


E a culpa. A culpa que sinto por ter deixado isto acontecer. Por ter sido ingénuo e preguiçoso ao pensar que "isto só acontece aos outros". Por me ter posto numa situação de vulnerabilidade perante quem dorme comigo ou quem eu quero que durma comigo. A verdade da qual não posso escapar: eu, o meu comportamento provocou isto.


E fazer sexo é repetir o momento em que isto me aconteceu. Se alguém faz bungee jumping e algo corre mal e quase se tem um acidente fatal, o mais certo é que essa pessoa nunca mais repita a experiência. Não se vai repetir algo que já resultou tão mal, não é? Mas não podemos deixar de fazer sexo! Não podemos bloquear esse nosso lado, essa natureza. Somos animais sexuais, ponto.


A grande questão é: como é que se faz sexo, como é que se vive o sexo depois de uma coisa destas. 

Quando tiver respostas, digo.

Sunday, June 10, 2012

Caminhos

Afirmações constantes: não é uma doença mortal, é crónica; se tomares conta de ti, não terás sintomas; podes viver uma vida tão longa quanto qualquer outra... bla bla bla. Não desfazendo do que está acima descrito nem retirando qualquer verdade ao mesmo, há vezes em que nem estas frases trazem consolo.

A questão aqui é que há algo que muda após um diagnóstico. O nosso trabalho pode não mudar, o namorado ou os amigos podem não mudar, mas nós mudamos. Por dentro. Há algo que deixa de existir e ainda não consigo dizer exactamente o que é. Chamo-lhe uma inocência, uma ilusão juvenil de que, na verdade, tudo vai correr bem, as nossas vidas vão ser cheias de sucessos e quaisquer surpresas que apareçam serão certamente boas. Depois de uma notícia destas é difícil manter essa ingenuidade intacta.

E por isso digo que, mesmo com todo o apoio das "nossas" pessoas, há uma determinada parte do caminho que tem de ser feita sozinho. Porque nenhuma dessas pessoas consegue perceber na totalidade o que isto significa. Pode ser dado todo o apoio e consolo, mas há pequenas nuances que mudam e só nós é que as conseguimos ver.

Com isto não quero desvalorizar a importância de não se estar sozinho, bem pelo contrário. Se neste momento tenho alguma frieza e paz em relação a este assunto é por ter tido pessoas (e tê-las ainda) que criaram um espaço seguro onde eu pudesse estar.

Mas há uma parte da resolução desta questão que fica unicamente a meu cargo. É na minha mente que irão decidir-se as maiores mudanças de atitude, de perspectiva, de resolução deste conflito interior.

Hoje perguntaram-me se eu tinha o seguinte pensamento: "Porquê eu?". Respondi que não pois sempre tive consciência de que "quem anda à chuva molha-se". Existe por outro lado uma outra questão frequente: "Qual o sentido, qual o lugar disto no contexto da minha vida?". É mais que óbvio que isto veio alterar a minha rota.

Mas de que maneira... remains to be seen.



Saturday, June 9, 2012

A (a)normalidade

Existem vários aspectos chocantes após um diagnóstico de HIV. Por um lado, o facto de ser um diagnóstico "definitivo" é brutalmente pesado. Não há nada a fazer, não há tratamento que "tire" isto de dentro de nós. Depois, podemos falar também de tudo aquilo que muda: a vida emocional, social, sexual...

Mas queria falar hoje sobre a "normalidade" que se sente sabendo que existe no nosso corpo algo de muito anormal.

Quando obtive o diagnóstico, sabia que estava já na fase assintomática, ou seja não havia qualquer sintoma da infecção. E mesmo sabendo isso objectivamente, fazia muita confusão (e faz ainda) o facto de me sentir absolutamente normal. Porque mesmo sentindo-me "normal", sabia que este bicho estava dentro de mim. "Mas como é que é possível que eu tenha isto se me sinto igualzinho??" E essa linha de pensamento continua a ter o mesmo impacto. Às vezes, pergunto-me se isto será verdade e não um sonho mau...

Sinto a mesma energia, a mesma saúde, os mesmos problemas que tinha antes (as dores de costas, as dores musculares, as dores de cabeça...). Mas nada disto é anormal, já tinha tudo isto antes. Ou seja, sinto-me eu. Mas assim que penso "sinto-me eu", penso logo a seguir "mas esse eu já é um eu diferente...". E, just like that, fico triste outra vez.

Talvez venha um dia onde o meu eu já tenha aglutinado o bicho de vez. Ele fará parte de mim e isso não é esquisito.

Porque na verdade, eu sou muitas outras coisas para além disto...

Friday, June 8, 2012

1 mês depois

Faz hoje exactamente um mês desde o meu diagnóstico, e por alguma razão, decidi que hoje seria um óptimo dia para criar este blog.

Os objectivos são, ao mesmo tempo, egoístas e altruístas. Por um lado, serve para eu poder desabafar e enviar pensamentos e sentimentos para o universo. Por outro, não consigo deixar de lembrar a aterradora sensação de solidão e isolamento depois de ter descoberto que era seropositivo. E lembro-me de pensar (e ainda penso) que deve ser horrível passar por isto sozinho. Assim, talvez este blog traga alguma conforto a alguém que, por acaso, dê com isto. Se isso acontecer, já terá valido a pena.

Aproveito para agradecer aos amigos... sem eles, isto de ser positivo seria muito pior.